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São Paulo, pandemia e solidão

Eu vim de Campo Grande, onde as pessoas sentam na calçada para tomar tereré. Onde os almoços de segunda, terça ou sexta são em família, porque todo mundo sai do trabalho de carro e corre em casa para ficar junto. Onde eu tenho - sei lá, uns 12 tios, mais de 20 primos. Os primos, dos primos. Os tio-avós. As primas de segundo e terceiro grau. Meus melhores amigos, colegas e, se botar na ponta do lápis, ainda nem sei contar quantos irmãos. Onde os churrascos são obrigatórios e duram, no mínimo, 2 dias seguidos. Onde eu posso aparecer na casa dos meus amigos de surpresa e ainda ser recebida com abraços ao invés de cara feia. Onde as pessoas acordam cedo para viver, param o trabalho bem antes das 19h e se reúnem novamente.





E daí eu vim parar em São Paulo, onde a cidade não é tão fria quanto dizem. Mas as pessoas são. São porque aprenderam a desenvolver essa casca como proteção. Sabe aquela frase ‘se organizar certinho, todo mundo se abraça’?, falta isso por aqui. Aliás, falta tanta coisa em São Paulo. Mas faltou ainda mais na pandemia, confesso.


As pessoas foram para dentro de suas casas, fecharam as cortinas e, por debaixo das máscaras, ficou impossível encontrar seus sorrisos. E eu também fiz isso. Meu primeiro ano de pandemia se resumiu em trabalhar 15 horas por dia, beber cerveja artesanal dentro do apartamento, à noite, e discutir a vida e os sonhos pós-pandêmicos com meu companheiro. Mas como muitos dos relacionamentos nessa época insana, o meu também encerrou o seu ciclo, e daí senti ainda mais falta da minha rotina. Dos meus amigos. Das conversas em praticamente todos os cafés do Jardins (bairro nobre aqui em São Paulo, onde eu trabalho). Das andanças nos shoppings, nas livrarias, nas calçadas da Avenida Paulista. De chegar sozinha em um bar e terminar a noite cercada de novos amigos, como boa geminiana que sou. De conhecer gente nova. De abraçar gente velha. De partilhar a vida boa, saca?


E cara, como é doloroso estar sozinha. Principalmente para alguém que ama pessoas.


Eu não me formei jornalista, eu nasci. Desde muito pequena comunicação é minha grande paixão. Quando eu tinha nove anos, expliquei para minha mãe que eu queria usar o quarto vago de casa para ensinar idosos a ler. Sim, isso mesmo. Fui crescendo essa criança curiosa, arretada, que desenhava na parede, que empreendia de todas as formas. Que passou a customizar suas próprias roupas e cortar o seu cabelo diferente de todas as meninas do colégio, porque não se encaixava em padrões.


E eu nunca me encaixei em vários padrões. Mas o principal de todos é que eu gosto de gente. E sim, isso talvez esteja fora de todos os padrões.


Já dizia o Criolo ‘As pessoas não são más, elas estão perdidas. Ainda há tempo’. Eu acredito nisso. E mesmo me decepcionando com elas diariamente, minha vida é sobre isso. Sobre conhecer gente, trocar ideias, rir junto, dançar junto, ouvir histórias, conhecer estilos, acolher…


E acho que talvez isso seja de família. Meu avô faleceu, há pouco mais de um mês, de covid. Ele também não se encaixou. Ele preferiu manter os seus churrascos, as festas e os amigos por perto. Tem um vídeo dele explicando isso para seus filhos. Já a minha avó, com 77 anos, descobriu um câncer na pandemia. E percebeu que a solidão mata mais que essa doença. Ela precisou deixar de lado a sinuca, a corrida matinal, os bailes, os amigos, o vôlei e as viagens que tanto amava, para ficar trancada em casa.


Então, a verdade é que vida boa precisa ser partilhada. Com amigos, com amores, com a família. Eu sempre soube disso, mas talvez agora eu sinta essa necessidade de forma mais latente. Um pouco por conta da pandemia. Um outro pouco porque São Paulo é fria. Um pouco porque as pessoas não entendem o ‘nosso’ jeito de ser: sincera, inteira e amável com os seres humanos.


Então, partilhem, partilhem e partilhem a vida boa com quem vocês amam. Porque as pessoas estão morrendo de vírus, de solidão e de tantas outras mortes. Com máscara, sem abraços, mas partilhem com o coração. <3



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