Natural do interior de São Paulo e vivendo em Dourados há quase 10 anos, a arquiteta e urbanista Mariana Muraoka sempre se interessou pelas artes e pelas criações humanas: “Iniciei a faculdade de arquitetura e durante a graduação me apaixonei pela área. Neste mesmo período fiz alguns cursos livres sobre cinema, uma paixão antiga, e da união destes dois interesses nasceu o projeto Arq+Cine.”
O cinema sempre foi uma das paixões de Muraoka e, aliar isso com a arquitetura, foi algo quase natural. Com o avançar do curso, Mariana nos conta que começou a prestar mais atenção nas características dos ambientes dos filmes e quis compartilhar esses detalhes com mais pessoas: “O Arq+Cine surgiu como uma maneira de mostrar para o público em geral essas percepções que eu tinha, numa tentativa de aproximar as pessoas da arquitetura, humanizando-a e trazendo alguns conteúdos aprendidos em sala de aula de uma forma mais leve e prática.”
Confira agora a entrevista que o #EUsouMS realizou com Mariana Muraoka, autora do Arq+Cine:
Sabemos que você trabalhou (ainda trabalha? ) por muito tempo em uma locadora de vídeos. Essa experiência te ajudou no desenvolvimento do @arqcine?
Ainda trabalho uma vez por semana! rs. Sempre tive vontade de trabalhar numa locadora de filmes ou loja de CDs, em grande parte por conta dos filmes dos anos 90 que mostravam adolescentes trabalhando nesses locais como se fosse algo super divertido. E assim aconteceu, logo quando entrei na América Vídeo o clima era exatamente como o dos filmes que assisti, vários jovens alternativos apaixonados por cinema reunidos em um mesmo local, eu amei! Rs.
O acervo de lá é gigantesco, eles têm mais de 40mil filmes, então o acesso às mais diversas obras ficou muito fácil pra mim. O diferencial do DVD é a facilidade de assistir também aos bônus que vêm na maioria dos filmes, onde os diretores contam um pouco sobre a concepção do filme, construção dos cenários, etc.
Os frequentadores do local também ajudam bastante, porque dão dicas sobre os filmes, e me contam a percepção que eles tiveram de cada filme. Atualmente a frequência de pessoas diminuiu bastante por conta das plataformas de streaming, mas pretendo continuar trabalhando lá enquanto estiver funcionando, tem sido uma experiência bem legal.
Como é unir essas duas paixões: Cinema e Arquitetura?
Hoje não consigo mais vê-las separadamente, aliás não consigo ver nada sem perceber o papel da arquitetura nisso. Tudo que acontece, acontece em algum espaço, seja ele esteticamente agradável ou não, ou ainda um espaço vazio, e esses espaços influenciam diretamente até mesmo em questões sociais.
A ambientação tem um papel muito forte nas emoções humanas, uma viela escura com pouca visibilidade provavelmente trará a sensação de medo e insegurança, uma edificação em mau estado de conservação, com aspecto de abandonada causa um desconforto para quem passa por ela, enquanto ambientes organizados, limpos e bem iluminados tendem a ser mais agradáveis. No cinema isso se potencializa, pois é possível fazer recortes desses ambientes, enfatizando as características desejadas para a construção da narrativa, e mais ainda, muitas vezes o recorte adotado pelo diretor de um filme subverte totalmente os significados esperados de uma edificação, criando contrastes interessantíssimos.

No perfil você mostra como vários conceitos arquitetônicos são aplicados a cenografia, iluminação e até na história dos filmes. Como é o seu trabalho de pesquisa?
Assisto a muitos filmes, e sempre vejo as entrevistas dos diretores contando sobre o processo de construção dessas narrativas, quais os aspectos receberam maior destaque, as referências utilizadas, e como cada detalhe foi pensado. Acho incrível o fato de uma história criada na mente de alguém tomar forma e ser acessível às demais pessoas, então me atento bastante a cada detalhe do filme buscando entender o significado dos elementos utilizados para contar a história. Por ser arquiteta, acabo tendo maior facilidade de identificar como a arquitetura se relaciona com as demais questões, mas é um processo bastante tranquilo, apenas aplico o conhecimento que minha profissão me proporciona no meu passatempo preferido.
De alguma forma os conceitos que você visualiza nos filmes também são aplicados nos projetos desenvolvidos por você?
Com certeza. Vejo o ensino da arquitetura nas faculdades muito separado das emoções humanas, claro que a parte técnica é fundamental para a formação profissional, mas não há como ignorar que as residências terão moradores, e que as cidades abrigarão pessoas. O cinema proporciona a observação da relação dos personagens com o ambiente, assim como a reação do público às ambientações mostradas nos filmes dão indícios de como os indivíduos reagem aos espaços, sendo um material riquíssimo de estudo para que os profissionais de arquitetura identifiquem quais emoções desejam passar com seus projetos.
Como o cinema influencia no desenvolvimento dos seus projetos?
O cinema me inspira muito na hora de projetar, trazendo referenciais de paleta de cores, traços, formas, padronagens, mas principalmente na identificação da personalidade do cliente com o ambiente. Outro fator que o cinema colaborou na concepção dos meus projetos, foi pensar cada ponto do ambiente como uma cena que faça sentido, com elementos que contem a história do morador, ou dos frequentadores do espaço, e que os façam sentir pertencentes àquele local.
Falando um pouco sobre cinema... Quais diretores você elencaria que dão grande destaque para a arquitetura em seus longas?
Para mim não há como falar de arquitetura e cinema sem citar Wes Anderson (Moonrise Kingdom, 2012 e Grande Hotel Budapeste, 2014), ousaria dizer que seus filmes são mais conhecidos pelas características arquitetônicas dos cenários e locações (como a simetria e as cores pastéis) do que pelo enredo propriamente. Não que as histórias contadas em seus filmes não sejam tão brilhantes quanto os espaços criados por sua equipe, mas principalmente pela capacidade que ele tem de utilizar as ambientações a favor da história, levando o espectador a experienciar o espaço.
Para os estudantes ou amantes de arquitetura... Quais filmes você destacaria?
Dois filmes em que a arquitetura é bastante expressiva na construção da narrativa são o Quando te Conheci (Equals, 2015) e O Homem Duplicado (Enemy, 2013). No primeiro a arquitetura auxilia na demonstração de como a sociedade futurista retratada no filme se organiza, o diretor Drake Doremus consegue criar um ambiente futurista utópico a partir de locações reais. Já no segundo, o diretor Denis Villeneuve mostra a cidade como uma metáfora dos sentimentos do personagem principal, evidenciando os conflitos psicológicos vividos por ele.
A direção de arte, o figurino e a iluminação sempre andam juntas na composição de um filme. Existe um paralelo para isso na arquitetura também? Como conseguir aliar todas as expectativas do cliente (espectador) com o trabalho do arquiteto (diretor)?
Vejo muitos pontos em comum entre a arquitetura e o cinema. Em ambos trabalha-se com sentimentos, tendo o espaço construído como uma das formas de transmitir a emoção desejada. Alguns empecilhos também são comuns, como a restrição de orçamento e a existência de corporações que buscam o lucro acima da qualidade. Porém entre o arquiteto e o diretor de cinema acredito que a principal diferença é que o diretor pode intervir mais em sua criação, pois o espectador, como o próprio nome diz, está ali observando, enquanto o arquiteto, em geral, cria obras com as quais as pessoas interagem e até mesmo habitam, portanto deve ter um cuidado maior com o bem estar do cliente, evitando simplesmente impor seu gosto pessoal.
Como leitor do @arqcine, muitas vezes, eu me surpreendo com as suas analises (como não saquei isso antes?) você assiste os filmes algumas vezes antes de fazer as analises?
Dificilmente assisto ao mesmo filme mais de uma vez, gosto da surpresa do primeiro impacto. Para selecionar as imagens para o Arq+Cine vejo o filme novamente, mas com foco nos elementos visuais que identifiquei ao assistí-lo pela primeira vez, pois são os que trouxeram uma mensagem mais forte para mim. Acredito que o fato de algumas pessoas se surpreenderem com pontos levantados nas análises vem muito da diferença de experiências vividas por cada pessoa, como sou arquiteta, os aspectos visuais me chamam mais atenção, para um jornalista talvez elementos do roteiro sejam mais expressivos, assim como para um músico detalhes da trilha possam fazer maior diferença.
Para os amantes de cinema e arquitetura... Gostaria que você fizesse um convite para conhecer o seu trabalho e o @arqcine.
No Arq+Cine busco levantar pontos relevantes da construção visual dos filmes, trazendo sempre informações sobre arquitetura, então para quem gosta de cinema e arquitetura fica aqui o convite para seguir meu perfil no Instagram @arqcine, ou acompanhar as análises pelo site marianamuraoka.com.
No site também estão os projetos arquitetônicos que realizo, assim como no perfil @marianamuraokaarquitetura no Instagram.
Obrigada #EuSouMS pelo convite para responder a essa entrevista e também aos leitores. Foi super legal contar um pouco do meu trabalho para vocês!