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Uma carta para mim

Essa carta é para Aryana do passado, mais ou menos, há de um ano. Em meados de setembro de 2019 aconteceu algo inesperado e libertador em minha vida. Calma, não se confundam. Vou explicar cada detalhe de como aquela Aryana virou essa de hoje. Prepara a imaginação e vem comigo.

Eu já expus no texto “Cont;nue” (vou deixar o link no final para quem ainda não leu), minha experiência com a depressão, pânico, ansiedade e etc. Mas não contei alguns detalhes importantes, que acredito que merecia um texto somente para eles. Então vamos lá.

Eu renasci. Na verdade, não sei o momento exato em que isso aconteceu. Mas eu renasci. E não foi igual das outras vezes em que eu parei de respirar por ter um pulmão teimoso, ou quando meu coração parou e falaram para eu guardar a data porque era meu segundo aniversário. Foi diferente. Foi gradativamente dessa vez.

Eu renasci no dia em que a ambulância me buscou em casa. Eu renasci dentro da ambulância quando a equipe toda foi eficiente e fizeram o possível para me trazer de volta à vida. Eu renasci quando aceitei tomar remédio certo e não mais esconder embaixo da língua e jogar fora. Eu renasci quando levei o primeiro choque na cabeça. (Sim, meus leitores, eu cheguei em um nível tão grave que foi preciso fazer tratamento de ECT- eletroconvulsoterapia.) Eu renasci quando aceitei o tratamento. Eu renasci quando aceitei ir à terapia. Eu renasci quando levantei da cama, quando parei de trocar o dia pela noite, quando não ficava dopada dias e dias. Eu renasci quando minha sanidade, por menor que estivesse, não deixou eu terminar o que comecei no banho. Eu renasci naquele abraço libertador quando chorei feito criança. Renasci quando seguraram minha mão, ou apenas quando ficaram em silêncio ao meu lado. Eu renasci no dia que eu me dei conta que, por mais que eu tivesse muitas pessoas comigo, era somente eu. Somente eu sentia as dores de cabeça insuportáveis que nem morfina adiantava, quando eu fazia choque, só eu podia lutar contra eu mesma, contra meus impulsos, contra meus pensamentos insanos. Eu renasci no dia que aceitei que eu precisava renascer. E, confesso… Não foi fácil!

Não é fácil retomar a realidade, Aryana. Eu sei das vezes que você chorou escondida no banho, baixinho para ninguém escutar e questionar o porquê, porque na verdade nem você saberia explicar. Sei que passou maquiagem, muitas vezes, para disfarçar. Sei até onde conseguiu forças para sair de casa e encontrar os amigos. Fez até uma viagem, mesmo sabendo que já não estava tão legal. Mas seguiu firme. Sempre com aquele pensamento: tudo passa!

Não passou. Pelo contrário, piorou, eu sei. Piorou e você tentou de todas as formas acabar com essa dor tão angustiante que fica no peito. Essa sensação de embrulho no estômago. Essa tristeza sem fim. Essa vontade cada vez mais de permanecer na cama, porque você passou a confundir a realidade. Falava dormindo. Dormia do nada. Não interagia com ninguém. Aquela pessoa que todos conheciam se foi. Ficou apenas um ser humano apagado. Chegavam mensagens: Cadê você? O que aconteceu? Fala comigo! Precisa de algo? Todas nesse nível e você simplesmente não tinha forças para responder. Sua energia estava sugada. Eu sei de tudo isso, Aryana.


Sei sobre sua impulsividade. Seus surtos de automutilação. Irritabilidade. De gritar do nada andando de carro porque achava que iria bater. Seus enjoos por conta de tantas medicações. Seus planos ruins. As cartas que você deixou para algumas pessoas, que até hoje não sei onde estão. Sei que deixou tudo instruído de como queria as coisas. Sei que se sentiu egoísta. Sei que esteve revoltada. Sei que sua dor chegou a dez, na escala de zero a dez e você não soube o que fazer. Porque além da dor física, você sentia dor na alma, e muitos profissionais de saúde não conseguiram entender isso nos plantões do pronto socorro. Sei do seu pânico. Da sua ansiedade. Sei também que odeia quando confundem sua dor física e falam que é psicológica, porque você sabe bem diferenciar uma da outra. Sei que você lutou, mas cansou e deixou “a peteca cair”. Sei que quis buscar ajuda algumas vezes e desistiu pelo preconceito das pessoas, por pensarem que você era fraca demais. Sei que não se acha forte mesmo depois de tudo o que já passou, e quando as pessoas falam que é forte, você nem acha tudo isso. Sei que perdeu a memória e, algumas vezes, até agradece por isso. Porque a dor que você sentiu, tirou seu brilho no olhar que você não quer mais perder.

Aryana… Não se culpe tanto! Aliás, não se culpe nunca! Essa carta é para você lembrar da mulher incrível que você é. Que serve sim de inspiração para muitas pessoas. Que já enfrentou UTI - Unidade de terapia intensiva, várias vezes. Que já teve sua quase morte anunciada várias vezes e sempre voltou para contar história, para incentivar e para lutar pelos seus objetivos.


Não se culpe. Você estava doente. Era uma doença mais forte que você. Limpa essa lágrima que está escorrendo em seu rosto agora e dá um sorriso, aliás sorria mais nas fotos, seu sorriso é lindo. Você é linda! Você é inspiradora, cara. A depressão é uma doença na alma, dói tanto que não sabemos como lidar com ela, porque é invisível. Está tudo bem suas cicatrizes, elas são marcas de vitória. Está tudo bem você ter parado sua vida mais de um ano. Está tudo bem você não trabalhar há mais de um ano. Está tudo bem. Calma, tudo tem seu tempo!

Se perdoe, Aryana! Você não teve culpa. Depressão não escolhe rosto, classe social ou idade. Ela apenas vem e faz as pessoas fazerem coisas terríveis. Se perdoe por se machucar. Principalmente por machucar psicologicamente as pessoas que você ama. Se permita viver mais. Se permita viver. Se permita voltar, ou melhor, ser uma Aryana livre, de coração aberto, de esperança, de fé e amor.


Você fez o seu melhor até agora, entenda isso. Lembra uma noite chuvosa onde fazia uns dias que você tinha decidido que não aguentava mais, que precisava de ajuda ou não sabia o que seria capaz de fazer? Lembra que seus olhos já não brilhava, justo você que sempre sorriu com os olhos? Pois eu lembro daquela noite, aquele dia você fez uma das escolhas mais lindas e importantes da sua vida. Quando aquele senhor te perguntou se você queria viver ou morrer, já que morrer era fácil, o difícil mesmo era viver e você respondeu: viver!


Lembro que você o abraçou, chorou, chorou, chorou… Parecia que tinha tirado doce de criança. Aquele abraço foi libertador. Aquele abraço foi o divisor de águas. Naquele abraço você descarregou tudo. Foi naquele abraço onde sua vitória começou. Sou grata por isso; porque você enfrentou mais essa batalha, teve seus fracassos, na verdade, vez ou outra ainda tem seus dias mais ruinzinhos, mas olha o que você já passou.


Lembro que ele olhou pra você e disse: você escolheu viver, saiba que tem um exército que vai batalhar contigo. E assim foi. Um dia de cada vez. Não foi fácil, como eu disse, tem dias que ainda tem suas recaídas. Mas sou orgulhosa, eu sinto orgulho de você.

E realmente, ele tinha razão. Seu exército, seu suporte, sua equipe, sua fé (que foi reestabelecida), lutaram contigo. Graças a sua fé, Aryana, ela que ironicamente é invisível igual a doença, te ajudou a se reerguer. E, você aprendeu que Deus nunca nos abandona, por mais que, algumas vezes, nos revoltamos e pensamos nisso.


Obrigada, Aryana! Obrigada por não desistir de nós!


Obrigada também a você que acompanhou esse projeto do #setembroamarelo, infelizmente faltou uma carta que será publicada em breve, então aguardem! E lembre-se: peça ajuda ou ajude quem sofre por depressão. Preconceito e falta de informação matam!


Até mais! 


Obs: esse texto foi escrito em primeira e terceira pessoa de forma proposital, não julguem a escritora!  :)



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