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Território Livre: O parto da cachorra

Dizem que quem é do signo de aquário gosta de remar contra a maré e odeia fazer o que tá todo mundo fazendo. Não sei se é realmente algo do signo de aquário, mas com certeza se aplica a mim. Acho um saco datas comemorativas, acho um saco aniversários, acho um saco dia disso e dia daquilo. Mas infelizmente eu sou a grande minoria nesse papo, então vamos causar com algumas reflexões sobre o dia internacional da mulher. 8 de março não é para os fracos bebê.


Dias atrás minha cadela teve um parto muito turbulento aqui no quintal de casa. Ela pariu antes do tempo filhotes pré-maturos, espalhando-os pelo quintal ao sol do meio dia. Quando eu me dei conta do que estava acontecendo já tinha um caído dando o último suspiro e outro sendo parido na terra e a coitada super assustada com aquele sangue escorrendo nas pernas e aquelas bolas saindo de dentro dela. Ela corria desesperada a procura de um lugar pra se proteger. Foi se abrigar em baixo da casinha de brinquedos que meu pai construiu pros meus sobrinhos. Ali na terra batida ela teve mais um que já nasceu morto. Desespero total.


Eu nunca havia passado por algo assim. Enquanto eu recolhia o animalzinho morto minha mãe tentava salvar o que estava cheio de barro e a Bebel se escondendo aterrorizada pra parir os outros. Nesse momento me dei conta da vulnerabilidade da mulher perante não apenas à sociedade, mas diante da vida.


Tentei arrancar a cachorra de seu esconderijo, mas ela estava muito assustada e brava, enquanto dava sinais de que viria mais um filhote. Tive que pensar rápido sem ter certeza de que eu estava fazendo o certo, mas certo de que se ela tivesse mais filhotes ali naquele lugar todos morreriam. Arranquei ela dali e a prendi dentro da casinha, onde ela pariu mais dois e com a ajuda do jardineiro Paulo, que tem traquejo com partos caninos, conseguimos que três filhotes vingassem nesta ninhada.


O fato é que apesar de não gostar de “dia disso” e “dia daquilo”, quero compartilhar esta reflexão no dia da mulher, pois toda essa experiência me chamou a atenção pra algo que eu não tinha percebido: A vida da mulher sofre muitas intervenções traumáticas.


O fato de carregar a vida dentro de si e daquela vida “pertencer” a alguém mais além dela, já tira total liberdade da mulher por razões biológicas. Vejo muitas pessoas decidindo junto à mulheres ou decidindo para elas o que é ou não é bom pra elas, e assim eu me senti intervindo no meio de um momento extremamente particular e delicado, onde a natureza deveria agir livre, arrancando a cadela do lugar que ela escolheu pra parir e trazendo ela pro meu ideal de segurança e higiene.


Apesar desse fato ter me deixado exaurido, nasceu em mim um pensamento novo de que as vidas das mulheres não pertencem tanto a elas quando as dos homens. Até porquê os filhotes após o parto traumático resolveram que precisavam mamar desesperadamente, o que prende a mãe em uma relação eterna com seus rebentos.


No entanto não é só a maternidade que tira a liberdade da mulher, mas todas as escolhas sociais que ela faz, e aí já não estou falando das caninas. Mas historicamente a gente viu durante séculos os homens ou as próprias mulheres intervindo nos destinos das fêmeas da sociedade. O que ela deve fazer, qual profissão ter, com quem casar, como se vestir, como parecer isso ou aquilo para ter mais valor e etc... O que pra mim seria tortura, vejo mulheres modernas vivenciando todos os dias. Estar maquiada, estar bonita, estar magra. Valores impostos sobre as mulheres dos quais precisamos nos livrar.


É mais pesado pra elas sim. E não tem esse papo de sexo frágil, pois eu vi mulheres passando por situações, dores e perrengues que homens não aguentariam a metade. E a sociedade vai tentando relativizar e fazer parecer que está mudando, mas os índices continuam tenebrosos quando se trata de diferenças de salários, assédios sexuais, feminicídio, discriminação e assédio moral. Muita coisa pra se tratar em um dia, mas que acaba fazendo sentido agora ter um dia pra esse debate. Mas pelo amor de Deus, o que eu vejo é um monte de gente hipócrita fazendo declarações medíocres sobre a beleza de ser mãe e postando rosas nas redes sociais.


O parto da cachorra serviu pra que entendesse um pouco mais a partir dessa metáfora a situação da mulher na vida e na sociedade. Fiquei tocado, fiquei sentido, tentei me colocar no lugar delas e já entendi que no final das contas a beleza de ser mulher está na dor de ser mulher.

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